Wagner Matheus Secretaria de Esporte e Qualidade de Vida No alojamento da delegação de São José dos Campos em Marília, horas antes da participação final das equipes de judô nos Jogos Abertos do Interior, um senhor de traços, paciência e simpatia tipicamente orientais, circula pelo ambiente. Sua presença transmite calma e, ao mesmo tempo, uma sensação de segurança em todos os que interagem com ele. Este senhor de 81 anos de idade é o sensei Michiharu Sogabe, lenda do judô joseense, que há mais de 40 anos é presença marcante nos Jogos. Desde 1975 –“ou 76, não tenho certeza”, como ele diz–, Sogabe é o guardião da modalidade, primeiro como técnico, depois como coordenador, hoje como um motivador e exemplo para as novas gerações. “Sensei” é o tratamento japonês dispensado a pessoas especiais e significa ”professor”. Ele é tratado desse modo por judocas de todas as gerações. O professor diz que não pensa em aposentadoria e nem em deixar de comparecer a todos os futuros Jogos Abertos que puder. Conheça a trajetória de Michiharu Sogabe, uma lenda do esporte joseense. Como o senhor começou a carreira como técnico de judô? Meu professor no judô veio do Japão para ser gerente da Cooperativa Agrícola de Cotia [município da Região Metropolitana de São Paulo], onde eu morava. Isso foi na década de 50. Aí ele saiu de Cotia e eu assumi como técnico. Acumulava com a função de atleta. E a vida de atleta, como foi? Fui atleta entre 1951 e 1964. A minha carreira de atleta foi um pouco prejudicada porque na minha época não tinha divisão por peso no judô, era a categoria absoluto. Como eu tinha 74, 75 quilos, tinha que lutar com adversários muito mais pesados. Cheguei a ser vice-campeão paulista. E a vinda para São José dos Campos, como e quando ocorreu? Antes disso, fui para São Paulo trabalhar no Clube de Regatas Tietê. Também trabalhava na famosa Academia Yamazaki. Fiquei oito anos por lá, até que recebi um convite para trabalhar com judô no Tênis Clube de São José dos Campos. Quem me convidou foi o então diretor do clube, Adelmo Liberato. Nós nos conhecemos em um congresso técnico dos Jogos Regionais na cidade de Cruzeiro e ele me convidou. Isso aconteceu em 1973. O senhor formou uma geração de bons mestres de judô, não é? Fui professor da maioria dos praticantes de judô graduados da cidade, eles começaram comigo. Posso citar, entre eles, o professor Orlando Hirakawa, que hoje é oitavo dan, e Amadeu Esteves, sétimo dan. Os dois são famosos no Brasil inteiro. Quase todos os professores de judô de São José passaram pelas minhas mãos. O que significa dan no judô? Dan é a graduação do judô. É atribuído em função dos serviços prestados ao judô. Sou nono dan, existem dez ou doze professores com essa graduação no Brasil. E eu sou um dos quatro que nasceram no Brasil, todos os outros vieram do Japão. O nono dan é o limite? Não. Existe o décimo dan. O único décimo dan do Brasil é o professor Shinohara, não existem outros. O que o levou a chegar até o nono dan? Recebi a graduação graças aos atletas e professores que formei. O resultado alcançado pelos atletas me deu a graduação. É por isso que a minha presença, hoje, nas competições é uma forma de demonstrar minha gratidão a eles. Amizade e conhecimento é algo que eu ganhei e agora tenho que dar a minha contribuição em troca, mesmo que seja moral. E aqui, nos Jogos Abertos, como tudo começou? Comecei nos Jogos Abertos em 1975 ou 1976. De lá para cá não falhei nenhum ano, sempre acompanhei. A minha função, agora, é apoiar e motivar. Como o senhor avalia o estágio atual do judô de São José? O judô de São José está em boas mãos. O Dedé [Elessandro Váguino de Lima, técnico de judô alto rendimento] e o Guapo [Luís Carlos de Faria, coordenador técnico de judô alto rendimento], foram atletas campeões e hoje são treinadores. Vivemos sete ou oito anos de uma ótima fase no judô da cidade. Eles trabalham bem. Tem também o Fúlvio Miyata, que começou no Fadenp [Fundo de Apoio ao Desporto Não Profissional] e no [Programa] Atleta Cidadão, foi um dos melhores do mundo e hoje é treinador do Minas Tênis Clube. Quais são as perspectivas? São José sempre esteve entre os três melhores do judô no Estado. Neste ano houve uma renovação importante, mas continuamos brigando. A diferença, hoje, é que antes vinham muitos atletas de fora para preencher lugares vagos nas categorias [pesos], enquanto hoje cerca de 90% da equipe é formada na base. São José é uma das cidades que mais dá força para a formação de atletas através do Fadenp e do Atleta Cidadão. A Prefeitura sempre apoiou. Que sentimentos o senhor guarda da cidade onde vivencia o judô há quase meio século? Tive muita sorte por ter pessoas me incentivando desde que cheguei em São José. Também recebi muito apoio da Imprensa da cidade no início do meu trabalho. Um dos que mais me ajudaram foi o jornalista Alberto Simões [jornalista e professor, trabalhou no jornal ValeParaibano e na Rádio Clube desde o início da década de 70. Falecido, dá nome ao parque municipal de esportes radicais implantado na região norte]. Como foi aquele início de trabalho? Hoje é muito diferente de quando comecei, a convite do então prefeito Ednardo [José de Paula Santos, que administrou a cidade entre 1976 e 1978]. A primeira turma foi montada em um salão atrás de onde funcionava a Câmara Municipal, no centro da cidade [hoje, Museu Municipal, na Praça Afonso Pena]. O sucesso chegou rapidamente? Peguei uma turma de crianças e jovens que viviam em situação de risco social e eram atendidos pela Prefeitura. Quase todos só tiravam notas vermelhas na escola. Com a introdução do judô, que desenvolve o respeito, a concentração e a disciplina nos seus participantes, a recuperação deles foi muito boa. O resultado animou o prefeito a levar o judô para alguns bairros da cidade. E como é estar aqui em Marília acompanhando mais uma edição dos Jogos Abertos? Para mim, é um prazer estar junto com a moçada, rever todos é muito gostoso e gratificante. Sou muito bem recebido por todos. Pensa em aposentadoria? Enquanto disserem que não estou atrapalhando, vou continuar. O modo de demonstrar a minha gratidão por tudo o que recebi é apoiar o esporte da cidade. |